segunda-feira, 30 de maio de 2011

EDUCAÇÃO JURÍDICA: A QUEM SERÁ QUE SE DESTINA?

No capítulo intitulado “O sonho da pureza”, contido no livro O mal-estar da pós-modernidade, Zygmun Bauman nos convida e rever alguns pressupostos que fundamentaram a Modernidade e instituíram um binarismo nefasto e excludente que, se por um lado, instauravam os alicerces de uma suposta civilização, por outro, oficializavam as desigualdades entre os indivíduos.

Em meio aos vários distintivos da ideologia moderna, estava a ideia de pureza. Para Bauman, “a pureza é uma condição que precisa ser protegida. Não há como pensá-la sem ter uma imagem da ordem das coisas em seus lugares”. Numa perspectiva sociológica, pensar em lugares nos leva a refletir acerca do estabelecimento dos espaços e da sua cartografia no âmbito das relações de poder. Quem cria os lugares e quem determina quem poderá habitá-los? Quem protege os espaços “nobres” e delega ao Outro a condição de habitar nos espaços de menor prestígio ou até mesmo “impuros”?

Tais questionamentos podem nos incitar a rever os modos como tais categorias foram implantadas no imaginário e na linguagem cotidiana e que intervenções podem ser feitas a fim de repensá-las e, quem sabe, desconstruí-las.

As ideias apresentadas por Bauman, por terem um escopo ideológico muito amplo, podem ser aplicadas em diversas áreas, em distintas sociedades. Pensando nessa possibilidade e em contato com o poder que a educação jurídica tem na sociedade, saltam aos olhos um sem-número de articulações que podem ser construídas a partir dessas considerações.

Tendo em vista que o grande trunfo da Revolução Francesa foi assegurar o direito da burguesia, poder-se-ia discutir aqui o dilema da multidão de excluídos que não têm acesso à educação jurídica e que, por isso, muitas vezes se tornam invisíveis no que se refere à garantia dos seus direitos perante à sociedade. Poderia se refletir também sobre o paradoxo da globalização que celebra a glamourização de poucos detentores deste saber ao tempo que pasteuriza a ignorância de muitos, etc. No entanto, quero aproximar as lentes do mal-estar “balmaniano” para uma leitura mais apurada da sociologia que perpassa a capital baiana. Ou, numa pergunta: educação jurídica – a quem será que se destina?

Ao circular por determinados espaços de poder de Salvador, por exemplo, é possível encontrar uma quantidade significativa de profissionais empoderados, possuidores de privilégios sociais e materiais, os “puros”. E, imediatamente, ocorre-nos o questionamento: quem são? De onde vêm? O que pretendem? O que pensam? Quais são, enfim, suas marcas identitárias?

Uma rápida conversa com alguns deles, nos leva a desconcertante conclusão de que todos têm uma história. A história daqueles que foram prestigiados por uma educação que, sob o égide da suposta isonomia, lhes conferiu destaque e poder perante os “impuros”, o que nos faz entender melhor a frase do autor polonês quando afirma que “há uma fraqueza e instabilidade de todas as acomodações”. É preciso que esta educação jurídica esteja sempre a serviço do poder, a fim de conservar nos “lugares” de destaque aqueles oriundos dos grupos dominantes. Mudar essa história, conferindo um teor de democracia e igualdade é, sem dúvida o grande desafio que se faz sentir nesta Velha Cidade contemporânea.

Referência:

BAUMAN, ZYGMUN. O mal-estar da pós-modernidade. Tradução de Mauro Gama. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

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